O presidenciável José Serra, então Governador do Estado de São Paulo, foi protagonista de um dos episódios mais polêmicos da história dos quadrinhos no Brasil. O episódio colocou Serra contra os quadrinhos e hoje, contra ele, estão todos os quadrinistas. São Paulo é a casa das maiores editoras do Brasil e boa parte da produção nacional vem da Terra da Garoa, dos artitas que residem e trabalham por lá. O que posto aqui é um mix de reportagens, matérias e artigos sobre o caso.
A história é simples e posso resumi-la em duas linhas: A Secretaria de Educação de SP adotou para crianças de nove anos o livro: "Dez na área, um na banheira e nenhum no gol". O problema é que o livro é direcionado a um público adulto, e Serra, ao saber disso, ao invés de atacar seus secretários, preferiu denegrir a obra e seus autores.
Serra não se preocupou em esclarecer a situação, foi mais fácil jogar a culpa sobre os quadrinistas do que assumir os erros de um técnico na área de educação que não conhece quadrinhos. O exemplares do livro foram distribuídos em 2002. Ao todo, 1216 exemplares chegaram às mãos de alunos do terceiro ano do ensino fundamental. A obra é uma reunião de 11 histórias em quadrinhos com o futebol como tema e prefaciado pelo ex-jogador Tostão. Publicado pela Via Lettera, o livro possui palavrões e alguma conotação sexual. Ou seja, a temática é adulta e o álbum não é indicado para crianças.
Era mais cômodo para o Governador colocar a culpa na publicação, ao invés de disparar a sua metralhadora contra o seu próprio governo. Na primeira oportunidade que teve, em entrevista ao programa SPTV, da Rede Globo, José Serra disse que achou o livro de "muito mau gosto" e que os responsáveis pelo encaminhamento do livro às escolas seriam punidos. Com autores como Caco Galhardo, Allan Sieber, Spacca, Fabio Zimbres, Lelis e os vencedores do Jabuti Fábio Moon e Gabriel Bá, o livro foi organizado pelo ilustrador Orlando, que, em comentário no Blog dos Quadrinhos, do jornalista Paulo Ramos, diz: "O '10 na área' é um álbum para adultos um pouco antes da copa de 2002. Todos os artistas tiveram absoluta liberdade de expressão, pautando e desenvolvendo suas histórias como bem entendessem e, a meu ver, nenhum deles decepcionou. Podemos discutir critérios de escolha nas compras do governo. No meu modo de ver houve um engano. Não deveriam ocorrer, mas acontecem. Há um erro grave no governador dizer que a obra é de mau gosto, quando deveria dizer que é inadequada para crianças de nove anos. Isso faz diferença enorme na conceituação da coisa. Uma pena".
Na ocasião, a Associação dos Cartunistas do Brasil manifestou repúdio à forma como a imprensa tratou o livro: "O que vemos é uma crucificação de um trabalho sério de artistas e da editora, muito bem conceituados e que podem ser sim distribuídos em universidades para o estudo do mundo do futebol e sua influência na cultura popular".Em artigo publicado no site Universo HQ, o jornalista Eduardo Nasi escreveu: "O problema não é o álbum. Óbvio que não. O problema, claro, é que alguma besta do governo indicou o livro para compra... Para se proteger, Serra jogou a culpa no lado mais fraco: a HQ. É uma atitude covarde. Mas recorrente em políticos acuados pelas barbaridades que fazem".
Na mídia, o que se viu foi um show de desinformação, principalmente na Rede Globo e na sacro santa Rede Record. Falou-se que "se tratava de uma apostila, que os autores eram depravados sexuais preocupados em perverter crianças". A maioria dos jornalistas não se deu ao trabalho de pesquisar do que se tratava.
No SPTV, a jornalista que entrevistava José Serra não perguntou a opinião dele sobre a qualidade do material nem pediu a ele uma análise estética, mas o governador fez questão de dizer: “Achei a obra um horror… tudo de muito mau gosto… o desenho, tudo”. O que provocou polêmica não foram os palavrões ou as cenas eróticas - que se resumem a um quadro no qual aparece uma mulher de lingerie, tipo as dançarinas do Faustão. O que provocou polêmica foi o fato de ser quadrinhos.
17 de outubro de 2010
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